terça-feira, 17 de julho de 2012

Perto da Unanimidade

Quando tudo parece perdido na teledramaturgia, surge a redenção proporcionada por uma excelente novela. E nos últimos anos, diga-se de passagem, essa redenção esteve longe do horário nobre da Rede Globo. Repetindo o sucesso de Ti Ti Ti e Cordel Encantado, Cheias de Charme aparece para arrebatar até o mais reticente telespectador. A trama leve surpreende pela capacidade de entretenimento e renovação, fato que demonstra a incrível habilidade dos, por que não, roteiristas Filipe Miguez e Izabel de Oliveira. 

E é justo que alguns parágrafos sejam inteiramente dedicados a essa fabulosa dupla de estreantes. Eu, confesso, dava pouco pela trama. Mas, aos poucos, Filipe e Izabel foram provando que, finalmente, havia pessoas na Rede Globo que compreendiam que qualidade e popularidade podem, sim, andar juntas. Mais do que isso, o popularesco pode ser usado para demonstrar a imensa variedade existente no cerne da periferia, coisa rara nas caricaturas vazias e pobres criadas por Aguinaldo Silva e João Emanuel Carneiro. No subúrbio de Cheias de Charme, a evangélica transcende o estereótipo, a empregada serve como muro de arrimo para toda a família, a cultura do hip hop mostra força em toda a sua plenitude. E a favela, ainda que colorida em tintas mais alegres do que o comum, mostra que é mais do que uma sucessão de clichês e paradigmas criados por quem nunca cruzou o túnel em direção à Zona Norte, ou entrou em alguma favela entreposta aos condomínios de alto luxo da Zona Sul ou da Barra da Tijuca. A própria desigualdade está ali, vale dizer. O Borralho está ao lado de um luxuoso condomínio da Zona Oeste, nuance que Aguinaldo Silva bem tentou demonstrar em sua malograda Fina Estampa, mas que esbarrou em diálogos repletos de afetações, preconceitos e superficialidades. 

Mas Filipe e Izabel vão além de um mero retrato da Classe C. Os autores demonstram, ainda, que são dramaturgos sensacionais. Com inteligência, souberam dividir o protagonismo entre três personagens arrebatadoras. A primeira, Rosário, criada por um carismático pai, que é gay assumido e já ganhou uma cena em que sua homossexualidade foi tratada da maneira mais inteligente, é sonhadora e representa a luta de quem nunca desiste de seus sonhos, a persistência de pessoas que diariamente travam uma batalha contra o próprio destino. Penha, por sua vez, representa o universo de mulheres que precisam dar conta sozinhas de um turbilhão de responsabilidades, sustentando famílias com um sofrido e contado salário. Por fim, Cida é a empreguete que comove e causa empatia em um número grande de telespectadores, gente solidária a uma história que parece saída de um conto de fadas. Tudo tratado da forma mais natural e sem o menor vitimismo. Assim, com bastante perspicácia, a dupla de autores consegue construir uma teia de acontecimentos variados sustentada em três eixos, estruturando uma trama difusa que agrada a um grande contingente de pessoas. Personagens carismáticos, como a tresloucada Chayene, a determinada Lygia ou a deslumbrada Socorro, ajudam a dar liga a esse conjunto sincrônico de temas variados que, no final das contas, dizem respeito a um só tema: o novo conceito de classe emergente e a sua inserção na sociedade dos dias atuais.

E talvez por ser uma novela conceitual, Cheias de Charme emplacou de forma tão eficiente. A classe C da novela é pensada, calculada e executada de uma maneira extremamente racional. Não é um adendo, algo que foi inserido em uma trama principal totalmente heterogênea. Por isso, não dá sinais de farsa, de aspecto inapto e sem lugar. 

Mas é claro, uma novela não é feita apenas de bons autores. A direção, comandada pela indiscutivelmente talentosa Denise Saraceni, é extremamente acertada. Alguns erros técnicos de edição e sonoplastia pipocam, vez ou outra, na tela na novela das sete. Mas isso não apaga o brilho do trabalho de Denise, que é divinamente assessorada por Carlos Araújo, diretor geral. Os efeitos de transição entre cenas são uma graça e, aqui, aproveito para citar a recente passagem de tempo na trama, que foi enriquecida por um empolgante vídeo que resumia a turnê das Empreguetes pelo Brasil. As protagonistas, aliás, não poderiam ser melhor escolhidas: Taís Araújo está em uma de suas melhores interpretações e em uma das melhores atuações de 2012. Leandra Leal finalmente ganhou status de protagonista, posto merecido depois de anos de bons desempenhos na TV e no cinema. Isabelle Drummond mostra maturidade e um carisma fundamental a quem aspira a carreira de estrela.

O elenco em geral, a propósito, coleciona performances de causar inveja a qualquer outro cast da emissora. Cláudia Abreu, a antagonista da história, compôs uma divertida e emblemática cantora de eletro-forró. Uma atuação arrebatadora. No time de coadjuvantes, nomes como Alexandra Richter, Tato Gabus, Daniel Dantas, Giselle Batista, Simone Gutierrez, Humberto Carrão, Malu Galli, Tainá Müller, Fábio Lago, Leopoldo Pacheco, Kika Kalache, Dhu Moraes, entre outros - ótimos atores que geralmente não tiveram muitas oportunidades ao longo da carreira -, concedem porções diárias de atuações seguras ao telespectador. Veteranos como Aracy Balabanian e Edney Giovenazzi também contribuem com sua dose de imenso talento. E em uma novela com um elenco tão bem-afinado, excelentes revelações ganham seu espaço. Caso de Chandelly Braz, intérprete da impagável Brunessa, Rodrigo Pandolfo, que defende com maestria o cômico Humberto, e de Titina Medeiros, aliada e ''personal colega'' da megera Chayene. Três atores que estreiam da melhor maneira possível.

Enfim, Cheias de Chame chega para marcar uma época. Novela que remete aos clássicos da comédia da década de 80, mas que retrata um universo bastante particular aos nossos tempos. Tudo com inteligência e leveza. O folhetim das sete, ao menos na minha opinião, é o melhor do ano até aqui. E mais: é uma novela feita por um conjunto de profissionais extremamente capacitados. Pode-se dizer, com toda a segurança, que   o sucesso de Cheias de Charme é fruto da convergência de grandes artistas.

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