sábado, 26 de abril de 2014

Apesar de direção vanguardista, Meu Pedacinho de Chão esbarra em texto excessivamente conservador

Há algo em Meu Pedacinho de Chão que certamente causa incômodo aos olhares mais atentos. Algo como uma obra sem conjunto, como uma proposta de pouca unidade. Afinal, qual é a verdadeira estrutura que guia o argumento de Meu Pedacinho de Chão? Por um lado, a direção de Luiz Fernando Carvalho encanta com seus recursos técnicos, algo bem elaborado e inovador no contexto da teledramaturgia brasileira. Mas o texto de Benedito Ruy Barbosa, à parte de algumas ótimas sacadas (por exemplo, as impagáveis cartas de Zelão à Professora Juliana), recorre a elementos que, na contramão do que propõe a novela, embasam uma sistemática social pouco problematizada do ponto de vista moral. O exemplo mais claro disso encontra-se na personagem Gina, mulher masculinizada que faz parte do folclore da cidadezinha que ambienta a história. Se, em certo sentido, o espanto dos moradores locais com o jeito da moça seja muito justificável, é impalpável que não exista, no universo das personagens, ninguém que problematize este ponto com mais complexidade, alguém que diga, com todas as letras, que não há nada de errado no jeito diferente de Gina. Nem a tal Professora Juliana, moça estudada que veio da capital, parece uma personagem rica a ponto de expor a questão. Uma mocinha insossa e descontextualizada com a época. O conjunto de personagens, assim, é todo muito igual, muito ligado a tradições que, em qualquer boa obra ou mesmo mediana, não coopta a universalidade total dos papeis. 

Nem mesmo o público da novela é muito bem delineado. Ao trabalhar assuntos dessa natureza de forma tão rasa, a novela não consegue cumprir a sua pretensa função de novela infantil. Não tem capacidade de formação, não cumpre o seu objetivo pedagógico, muito menos é acessível às crianças o suficiente, já que a direção caminha, pelo contrário, a traços experimentais destinados a telespectadores adultos. Sendo justamente a direção a característica mais forte da história, talvez fosse interessante assumir a missão do folhetim, uma novela direcionada a pessoas adultas. De todo modo, a dramaturgia do folhetim mostra-se cada vez mais ultrapassada e, além de tudo, repete o velho, enfadonho, datado e tacanho universo rural de Benedito Ruy Barbosa. Uma pena.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Vale a pena conferir: "Meu Pedacinho de Chão" e "Tá no Ar"

Dois produtos recentemente lançados demonstram a retomada da preocupação da Rede Globo em produzir obras de qualidade. O primeiro, Meu Pedacinho de Chão, é assinado por Benedito Ruy Barbosa com a excepcional direção de Luiz Fernando Carvalho. A releitura do diretor é inovadora: traz para a televisão os maneirismos e a cadência do teatro tradicional. No elenco, nomes como Inês Peixoto garantem a atmosfera dos grandes palcos brasileiros. Esses elementos são devidamente alinhados com o toque experimental de Carvalho: closes demorados preenchem espaços entre cortes abruptos e cenas aceleradas, marcas que o diretor já havia utilizado em outros trabalhos. Sem dúvida, um grande acerto, ainda que os números da audiência não acompanhem.

Tá no Ar, por sua vez, é a chance de redenção de Marcelo Adnet na Rede Globo. O episódio inaugural, nesse sentido, deixou uma ótima impressão. O programa em si não traz nada de muito novo: um pouco de TV Pirata, um pouco de MTV, um pouco de Casseta e Planeta, um pouco de Junto e Misturado. A qualidade do roteiro, no entanto, impressionou. Há muito tempo não se via um humorístico tão bom nesse formato. Algumas piadas seguiram o caminho mais fácil e não entregaram algo mais elaborado. Caso, por exemplo, do "Fiança Esperança", quadro que beirou uma espécie de humor canhestro e de crítica bastante rasa. A maioria das esquetes, entretanto, foram sensacionais: a sátira a propagandas de TV, as intervenções de um esquerdista com posições irrefletidas, os flashes entediantes de um programa de pesca aventureira. Tá no Ar, de fato, estreou como grande promessa.

sábado, 5 de abril de 2014

Apesar de boa direção, Joia Rara termina repleta de clichês e falhas de desenvolvimento

Comandada pela competente Amora Mautner, Joia Rara acabou esbarrando na falta de criatividade das autoras, Duca Rachid e Thelma Guedes. A dupla, que já demonstrava certo desgaste de sua dramaturgia em Cordel Encantado e Cama de Gato, mais uma vez transpareceu estafa e excessiva repetição no desenvolvimento da novela. Agora, porém, a situação mostrou-se um pouco mais grave: o caminhão de clichês, desde o ex-gay curado pela coadjuvante pretensamente carismática até o vilão caricato com tons de perseguidor de desenho animado, comprometeu fortemente a razão de ser da novela. Faltou qualidade.

Mais do que isso, assistir à novela das seis exigia certa paciência. As falas transitavam entre o piegas e o budismo mal-apresentado, uma sucessão de frases de efeito cafona que comprometia não só a estrutura da dramaturgia, mas o próprio contexto do roteiro. O budismo tacanho, aliás, sinalizava a falta de um cuidado de pesquisa que foi de extrema importância, por exemplo, em Cordel Encantado. Não estou falando dos pretensos problemas de atemporalidade, uma vez que a proposta do folhetim não se restringia a um historicismo rigoroso, mas de um desperdício de oportunidade de veicular temas tão ricos com mais respeito e dedicação (o cabaré, a religião, a fé). 

Obviamente o trabalho de Amora continua irrepreensível: a improvisação e a trilha sonora continuam como destaques de seu trabalho. O talento de Duca e Thelma, em contrapartida, sai com a reputação arranhada.