quinta-feira, 5 de março de 2015

O Rei do Gado: quando a audiência acompanha a qualidade

Um dos grandes mitos da nova geração de noveleiros inclui o pressuposto de que novelas menos ágeis, com o roteiro mais trabalhado e uma fotografia menos industrial dificilmente caem no gosto popular nos dias de hoje. O sucesso da reprise de O Rei do Gado, obra-prima escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Luiz Fernando Carvalho, desmente a tese. Superando com frequência a audiência de Boogie Oogie e Malhação, o folhetim de Barbosa é conhecido por privilegiar ao extremo a qualidade de execução em detrimento das batidas fórmulas que "especialistas" como Sílvio de Abreu (que agora é o grande manda-chuva da teledramaturgia global) vêm ajudando a consagrar.
 
A escrita de Benedito não é imediatista. Antes de um seriado, O Rei do Gado mais parece um clássico de matriz europeia. As tramas são entrelaçadas com cuidado, com atenção a possíveis buracos na cadeia causal e muito engajadas ao contexto social: o drama da desigualdade de distribuição de terras, a leniência do Congresso Nacional ou a onda imigratória do século XX que faz parte da raiz da cultura brasileira. A direção, do mesmo modo, não se preocupa com uma atmosfera mais industrial (algo consagrado nos últimos anos pelos ótimos trabalhos do núcleo de Ricardo Waddington). Luiz Fernando Carvalho, desde a primeira fase, apresenta a preocupação de dar sentido à sua direção, algo que envolve mínimos detalhes: a luz alaranjada da primeira fase, a escalação de atores e atrizes com estereótipos parecidos, o trabalho envolvendo planos e sequências pouco ortodoxos ainda hoje.
 
Assim, o sucesso de O Rei do Gado é muito mais do que o sucesso de um novelão clássico. Não há nada de clássico, na verdade, na sua estrutura dramatúrgica ou técnica: não há mocinhos ou vilões, não existe núcleo cômico, não há uma trilha que segue os hits do momento. O que há em O Rei do Gado que explica o seu sucesso é justamente o que faz a novela fugir do padrão tradicional. Assim como Renascer, a novela protagonizada por um caricato Antonio Fagundes se notabiliza por seu vanguardismo. E é por conta dessas peças que a audiência prega que devemos sempre desconfiar das fórmulas que moldam novelas em estruturas ideais, em standards que enjaulam autores em modelos recomendáveis.

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