sexta-feira, 13 de março de 2015

O Império dos Horrores

O fantasma do Comendador coroou uma sequência de despropósitos que se seguiram às ótimas primeiras semanas de Império. Começando como uma saga épica digna dos melhores momentos de Aguinaldo Silva, a novela apresentou, de início, tipos com grande potencial: caso de Xana (Ailton Graça), Maria Marta (Lília Cabral), Cora (Marjorie Estiano/Drica Moraes), o próprio Comendador (Alexandre Nero), entre outros, uma constelação de arquétipos muito bem projetados pelo dramaturgo. Mas nem tudo é feito de protótipos: o desenvolvimento de Império se perdeu completamente em uma ânsia por genialidade que o autor parece ter perdido desde Senhora do Destino.
 
A começar pelos próprios personagens. O comendador, vá lá, manteve o seu apelo, mas ainda assim se sustentou em volta de uma mística supraficcional: o anti-herói controverso foi o maior acerto do folhetim. Entretanto, José Alfredo esteve várias vezes envolvido nas viagens inverossímeis de Silva, situações que, sendo condescendente, comprometeram bastante a qualidade da composição. Cora, outra grande promessa, perdeu-se em uma caricatura infeliz, sendo ainda muito prejudicada pelo triste e necessário afastamento de Drica Moraes. Maria Marta tornou-se uma dondoca com momentos insuportáveis, e é preciso dizer que o papel apenas não foi pelo ralo por conta dos muitos momentos de brilhantismo de Lília Cabral: apesar de um pouco maneirista em Império, Lília é uma das melhores atrizes que temos. Xana foi mais além: era uma transexual que gostava de homens, mas a certa altura passou a dizer que não. Ainda virou escada de Naná, a coadjuvante carismática de Viviane Araújo. Desvirtuou-se por completo. Enfim, quatro exemplos de um conjunto de personagens perdidos em meio ao desenvolvimento precário.
 
E toda essa descaracterização de personagens deve-se, é claro, justamente ao péssimo desenvolvimento. Se a trama tinha lá o seu caráter de realismo épico, perdeu-se em sucessões de acontecimentos inverossímeis que logo transformaram a novela em algo como um non-sense assumidamente ruim. Tudo podia acontecer, desde Drica Moraes substituída por Marjorie Estiano até alguém ficar rico da noite para o dia pelos motivos mais loucos possíveis. O tom de absurdo dado a Império beirou a fantasia de Glória Perez. O folhetim de Silva, porém, sustentava-se em uma espécie de pretensão um pouco cult, um objetivo que, nem vale ressaltar, não esteve nem perto de ser alcançado. Mas se a certa altura as cores absurdas passaram a soar como intencionais, os furos enormes de roteiro não pareciam ser. Erros crassos foram se naturalizando em buracos cada vez maiores na sequência causal de fatos. Um exemplo: Silviano, o mordomo culpado (personagem de Othon Bastos, mais uma pretensão de Aguinaldo Silva), chegou a vigiar os passos de seu inimigo, Maurílio (Carmo Dalla Vecchia), em boa parte da novela. Capítulos depois, o autor parece ter mudado de ideia: Maurílio era, na verdade, seu grande aliado (e filho) em sua investida contra o Império do Comendador. De empregado fiel, Silviano se tornou o grande vilão de uma novela que, por uma incompetência magistral de Aguinaldo Silva, ficou carente de um bom antagonista (espaço mais tarde preenchido pelo cliché trágico de Caio Blat). Isso tudo sem a mínima explicação plausível para os fatos anteriores: a dedicação do mordomo à casa de Maria Marta ou as cenas em que, mesmo sozinhos, Silviano e Maurílio se confrontaram de modo seco.
 
Só um exemplo de uma colcha de retalhos costurada mal e porcamente. Nisso, o que poderia ter sido uma grande empreitada foi sacrificada pelo pior dos destinos. Talvez o exemplo mais emblemático desta triste novela tenha sido Cora: uma promessa que virou caricatura. Drica Moraes, por uma infelicidade, teve que se afastar. Mas a solução dada por Aguinaldo Silva à personagem foi ainda pior do que o soneto: transformá-la em Marjorie Estiano, sua intérprete da primeira fase. Depois a matou, como se estivesse lidando com uma cobaia que se revelou um monstrinho. A cobaia que se revelou um monstrinho: assim foi Império, foi Fina Estampa, foi Duas Caras, exemplos que vão se multiplicando no cada vez mais controverso currículo de Aguinaldo Silva.


Avaliação: RUIM.
 
 
Nota de rodapé 1: Por que o trono do Império coube a João Lucas (o péssimo Daniel Rocha) e não à primogênita Cristina (Leandra Leal, excelente no último capítulo)? Machismo? Claro que não, deve ter sido só paranoia.
 
Nota de rodapé 2: Aqui fica uma informação de utilidade pública. Homossexuais não precisam se casar com uma mulher para adotar uma criança. Legalmente qualquer pessoa com capacidade civil e com boas condições materiais pode fazê-lo. Solteira ou casada com homem ou mulher, independentemente da relação ser homo ou heterossexual

Nota de rodapé 3: Se Aguinaldo Silva errou em excesso, o mesmo não se pode dizer da direção de Rogério Gomes. Um trabalho impecável de um diretor que, por infelicidade, mais uma vez foi encaixado em uma trama ruim. Resta torcer para que Papinha, nos próximos anos, engate uma parceria tão imbatível quanto João Emanuel Carneiro e Amora Mautner ou Gilberto Braga e Dennis Carvalho.


Que venha Babilônia...

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