segunda-feira, 16 de março de 2015

Babilônia tem o melhor primeiro capítulo dos últimos anos

Toda desconfiança que poderia cercar o primeiro capítulo de Babilônia caiu completamente por terra depois de um primeiro capítulo maravilhoso. Maravilhoso, não existe melhor palavra para resumir a dinâmica e a esperteza de roteiro que Gilberto Braga, João Ximenes Braga e Ricardo Linhares imprimiram a uma constelação de personagens que, já nas primeiras tomadas, revelaram seus potenciais. Por óbvio, não sobrou muito espaço para ninguém diante da força dos papéis de Glória Pires e Adriana Esteves, intérprete das arqui-inimigas (e, em paradoxo, amigas), Beatriz e Inês. Mesmo assim, todos que apareceram indiciaram sua importância em uma história muito bem amarrada.
 
A trama se desenhou do melhor modo possível neste excelente piloto. Beatriz, parte por conta de equívocos de uma personalidade muito calculista, vê-se sem saída e acaba matando Cristóvão (Val Perré), seu amante chantagista e motorista de seu futuro marido, o milionário Evandro Rangel (Cássio Gabus Mendes). Tudo isso em consonância com um ótimo senso holístico de dramaturgia, já que Cristóvão apenas recorre à chantagem diante da situação precária de sua esposa, Dora (Virginia Rosa), que precisa de dinheiro para furar a fila de um transplante de coração. Tangenciando a situação, conhecemos Inês, a ambiciosa amiga de infância da vilã (e obcecada por ela), que ciente do caso de Beatriz com o motorista, também resolve chantageá-la. O equívoco de Beatriz está em concluir, depois de flagrar um encontro fortuito entre Cristóvão e Inês, que os dois estavam mancomunados. Seja como for, uma breve descrição da história revela o principal: nada é jogado, inexplicável, sem causa no próprio roteiro. As ações são sempre motivadas e pertencem a uma história desenvolvida de forma inteligente. Beatriz não mata por matar. Cristóvão e Inês não chantageiam por chantagear. Os personagens são psicologicamente ricos e tem suas condutas, ao menos no que diz respeito a um bom roteiro, justificadas. Excepcional.
 
Glória Pires e Adriana Esteves, vale mencionar, estiveram magníficas. Glória volta com a mesma força de personagens como as gêmeas de Mulheres Areia ou a inesquecível Maria de Fátima, de Vale Tudo. Adriana, que em anos mais recentes explodiu como Caminha, encarna uma mulher mais humana que a sua antológica vilã de Avenida Brasil, mas não menos forte. Inês é dura, amarga, implacável. Fechando o trio de protagonistas, Camila Pitanga segurou bem o papel de ser o contraponto ético dessa pirâmide viciada. Ainda assim, é muito provável que Regina, apesar de parecer também a melhor mocinha dos últimos tempos, acabe de lado em meio a tantos personagens controversos. Fernanda Montenegro e Nathália Timberg foram um destaque à parte. Interpretando, respectivamente, o casal Tereza e Estela, as duas deram uma veracidade impressionante às suas histórias (tratando-se de atrizes desse gabarito, ninguém esperava outra coisa). Chamou atenção a pequena revolução e a coragem de Dennis Carvalho, diretor, que foi além de um mero selinho gay: o beijo das duas foi longo, vivo, demorado. Uma cena para entrar na história. E não só por refletir a velha problemática do cotidiano de casais homossexuais: aqui, a vida afetiva dos idosos entra em discussão em um país que distribui seu moralismo a tudo e a todos.
 
Dennis Carvalho, a propósito, emenda mais um grande trabalho. Claro que com a ajuda do excelente Vinicius Coimbra (e de toda a ótima equipe de diretores que os acompanha). O único erro, mesmo que mínimo, esteve na trilha incidental das cenas de Paris, um violino ortodoxo que tocou em todas as cenas que usaram a cidade. Como quer que seja, Babilônia resgata um espírito que vem perdido desde Amor à Vida. É bem verdade que, se Walcyr Carrasco é um dramaturgo muito pior que o trio que encabeça os créditos de Babilônia, sua última novela conseguiu repercutir de uma maneira que não se viu em suas sucessoras. Talvez pela coragem de Carrasco em questões morais. Coragem, aliás, também perceptível neste, mais uma vez repito, maravilhoso início de Babilônia. O blog torce para que a qualidade se mantenha.

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