domingo, 24 de junho de 2012

Pannis et Circenses

Uma trilha incidental aqui, um jogo de câmeras ali e rapidamente o telespectador é enredado por uma sutil e funesta maquinaria: assim é Avenida Brasil. Acompanhando a novela de João Emanuel Carneiro, não é difícil notar incontáveis contradições que não se escondem a um olhar mais atento. Depois de alguns meses de novela,  o autor mostra que tem, ajudado pelos competentíssimos Ricardo Waddington e Amora Mautner, a capacidade de jogar conforme os anseios da grande audiência. Em outras palavras, o que se vê no horário das nove é uma espécie de showmício: investe-se nos fogos de artifício para mascarar a falta de conteúdo. Nisso, ganchos "falsos" são lançados diariamente na tela, ataques histéricos e falas engraçadas permeiam as atitudes da vilã, closes na enigmática e sorrateira mocinha ocupam grande parte das cenas. Difícil mesmo é achar um sentido para isso tudo.


Em que pese a extrema habilidade de Carneiro em criar um eficiente circo em volta de uma história que parece se repetir para ganhar novos fôlegos, Avenida Brasil deixa escapar as suas feridas. Nina, a protagonista que prometeu ser estrategista e calculista, já demonstrou em inúmeras oportunidades que não tem a menor ideia de como proceder para comprometer a sua arqui-inimiga, a vilã Carminha. Pelo contrário, as atitudes da mocinha se mostram, a todo instante, sem sentido, precipitadas e reflexo de um temperamento constantemente perturbado a atabalhoado. Diante de tantas inconsistências, a personagem perde o seu porquê e sua empatia. Em uma cena dos primeiros capítulos da novela, a menina salva, utilizando de seus ardis de bela jovem comovida, Max de ser espancado por um homem em uma briga de trânsito. A atitude, por sinal, pouco se justificou ao longo da trama, dando a impressão, neste sentido, de ter sido escrita, exclusivamente, para criar um clímax vazio, um gancho sem nenhuma relevância para as pretensões de Nina, muito menos para a trama central que sustenta o enredo do folhetim. Seus atos desencontrados, a propósito, tornaram-se mais frequentes e foram reproduzidos em muitas outras oportunidades. Ao que parece, até a heroína não sabe qual é o seu plano de ação. Pior do que isso, tal plano de ação parece não existir nem mesmo para o tão festejado João Emanuel Carneiro. E, assim, o show ganha forma: o objetivo é desviar a atenção de quem assiste para uma espécie espetáculo oco. A história, por sua vez, não interessa ou ao menos ganha o devido acabamento. Nisso, brotam inconsistências de toda ordem.


Nas tramas paralelas, esses problemas se repetem com ainda mais força. Suellen, personagem de Isis Valverde, é o exemplo mais emblemático dessa sistemática. A "piriguete" do subúrbio é a típica coadjuvante do universo carneiriano: vem do nada, vai para lugar nenhum. Como um quadro de um humorístico de gosto duvidoso, Suellen pode ser reajustada, modificada e até excluída conforme as novas exigências do show. Existe para ser um mico de circo, uma distração que não necessita ser minimamente fundamentada. Diante do sucesso, a moça ganhou a história de vida que lhe faltava: uma boliviana vítima do tráfico de pessoas que sofre com a iminente ameaça de deportação. Um conto escrito às pressas e cheio de gambiarras que se revelam mesmo a alguém menos atento: a falta de sotaque da moçoila, a imprecisão quando à possibilidade de ser deportada (uma vez que, como filha de uma brasileira, ela já possui cidadania brasileira), a ingenuidade de alguém que demonstrou, ao longo da novela, uma esperteza característica. Seguindo a onda, o autor já promete o casamento entre Suellen e Roni (Daniel Rocha), criado inicialmente para ser um homossexual não assumido. A homossexualidade de Roni, inclusive, foi supostamente "insinuada" partindo de rótulos estereotipados e extremamente rasos: o gay é vaidoso, não gosta de futebol e tem um ótimo gosto para roupas. Ainda assim, Roniquito nasceu em um contexto apartado do percurso de Suellen. No entanto, em uma lógica em que o espetáculo importa mais do que o próprio propósito do que é contado, tudo pode ser mudado, reconfigurado e até repetido. E, por isso, João Emanuel Carneiro não se furta de reprisar o mesmo argumento usado na relação entre Orlandinho (Iran Malfitano) e Maria do Céu (Deborah Secco), em A Favorita. Argumento problemático, vale dizer, visto que parte do pressuposto do gay convertido, usado de toda sorte por esquetes que tratam questões como gênero e sexualidade com uma superficialidade assustadora.

Mas o que interessa é o espetáculo, não é mesmo? Criar emoção, suspense e tensão, ainda que sem nenhum planejamento. 

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