sexta-feira, 1 de junho de 2012

O machismo jeca de João Emanuel Carneiro

Talvez me chamem de politicamente correta. Por conta disso, acho importante esclarecer qual é a minha posição a respeito disso tudo. Primeiramente, é preciso pontuar que o politicamente incorreto não é cool, muito menos vanguardista. Pelo contrário, esse discurso apareceu no seio dos setores mais conservadores da sociedade. Surgiu justamente para reagir às conquistas sociais dos negros, das mulheres, dos pobres, dos homossexuais, dos excluídos em geral. No entanto, acho que qualquer radicalismo é chato e cerceia a capacidade de criação. Diante disso, algumas picuinhas são realmente dispensáveis. Dependendo do contexto da cena, usar uma palavra como "bicha" não ofende ninguém. Em Insensato Coração, novela bastante sensível à questão da homossexualidade, o vocabulário não precisava ser minimamente filtrado. As palavras rasgadas estavam lá, e muito bem utilizadas. Do mesmo modo, Miguel Falabella não se furtou em usar o divertido adjetivo "chocotona" como referência a uma personagem negra e acima do peso. E o resultado não ofendeu ninguém. Ainda mais em Aquele Beijo, novela que teve o mérito de retratar a sociedade em sua mais rica pluralidade: negros, gordos, nordestinos, travestis, moradores de comunidades carentes, etc. Um retrato colorido de uma sociedade múltipla.

Disse isso porque acho que temos deslocar a questão. Em vez de perguntarmos o que é politicamente correto, como se isso fosse necessariamente uma questão a ser repudiada, precisamos indagar se algo é politicamente razoável. É claro que a patrulha do vocabulário é quase sempre chata e pouco recomendável. Em contrapartida, é de extremo mau gosto que um autor esteja estritamente preocupado em ridicularizar, estereotipar e estimular o preconceito, ainda que nas entrelinhas, contra qualquer grupo de pessoas. A título de exemplo, faço mais uma comparação. O homossexual Crô, de Fina Estampa, passou a novela como um mico de circo: sua vida afetiva, por exemplo, sequer foi revelada ao grande público. De outro modo, o Áureo de Morde & Assopra, que também tinha a mesma orientação sexual, divertia, paquerava e gozava de uma vida própria. Até teve direito a um par romântico no final. Não preciso nem dizer qual personagem ficou restrito ao estereótipo.

Neste sentido, João Emanuel Carneiro se coloca como o continuador dos velhos padrões morais já arraigados no mundo das novelas. Em A Favorita, tivemos o gay que se converteu e a adúltera ridicularizada em público. Em pleno século XXI, ver a personagem de Helena Ranaldi ser humilhada só por conta de sua independência amorosa foi extremamente constrangedor. Doeu em milhões de mulheres que são, a todo momento, humilhadas e condenadas a comportar-se, quase sempre, como servas robóticas e necessariamente monogâmicas, ainda que sem amor. Em Avenida Brasil, a história se repete. Ainda que a trama tenha bons elementos críticos, como os recorrentes discursos moralistas e cheios de conteúdo religioso de Carminha, a novela é recheada de machismo por todos os lados. O homem com três mulheres chega a ser engraçadinho nas tintas do autor. O vovô homofóbico tem suas crenças consagradas e legitimada pelos fatos ao longo dos capítulos. Já Suellen, a moça que parecia surgir para subverter esses valores, é colocada como mau-caráter. Uma personagem que tinha tudo para cair nas graças do público, a partir de uma lógica completamente diferente do que já vimos na TV. Porém, é muito provável que João Emanuel Carneiro sequer tenha pensado nisso. Os capítulos seguintes mostraram, infelizmente, que a ninfeta do Divino objetivava, apenas, oportunidades de ascensão. As mulheres que têm autonomia sobre seu próprio corpo são, geralmente, golpistas. É essa a mensagem que a novela consolida. 

É até risível dizer que João Emanuel tenha algum ponto de inovação. Suas tramas são fortemente pautadas pelo formato antigo de folhetim. Para completar, o conteúdo mostra-se cada vez mais marcado por velhos discursos. Obviamente, a novela não tem o objetivo de ser uma aula de comportamento. Não paramos em frente à televisão para ver cenas extremamente didáticas e cheias de tatibitate. Contudo, é inegável que a teledramaturgia tem uma influência esmagadora em um país como nosso. Se um autor não tem isso em mente, ele é inegavelmente pouco esperto e, principalmente, nada consciente do que pode causar. Vale lembrar que levamos anos para conseguir o mínimo de respeito com os negros (ainda que um respeito muitas vezes fingido e maquiado) no contexto das telenovelas. João Emanuel Carneiro, que sabiamente foi o primeiro a escalar uma protagonista negra em uma novela, deveria saber disso melhor do que ninguém.

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