terça-feira, 19 de junho de 2012

Nos cabelos de Gabriela

Depois de dois capítulos de Gabriela, a adaptação de Walcyr Carrasco à célebre obra de Jorge Amado parece ter cumprido as expectativas que a maioria tinha em relação à produção. No entanto, tais expectativas nem de longe eram muito grandiosas. Desde a chamada, já era esperado que o estilo didático e farsesco do autor de Chocolate com Pimenta desse as caras, mais cedo ou mais tarde, na nova novela das onze. 

A marca de Walcyr, por mais que não tenha aparecido nas boas cenas iniciais envolvendo o Coronel Ramiro Bastos (Antonio Fagundes), não demorou muito a aflorar. Logo no primeiro bloco, fomos apresentados a um Bataclan luxuoso e afrancesado, completamente diferente do contexto histórico e literário. No bordel, brotaram diálogos recheados de gracismos e infantilidades tão próprias ao modo carrasquiano de chamar a audiência. Nesse contexto, Zarolha, embora corretamente interpretada por Leona Cavalli, tornou-se uma moça ingênua, idiotizada e sonhadora demais, personagem muito aquém da personalidade que a tradição consagrou para a mais importante prostituta do time de Maria Machadão (Ivete Sangalo). Esta, por sinal, foi transformada em uma espécie de show girl meio requintada, algo completamente risível e fora da realidade da Ilhéus do início do Século XX. E, aos poucos, as tintas do dramaturgo se estenderam a outros núcleos, desde as carolas vigilantes da moral ao casal meio pastelão formado por Tonico Bastos (Marcelo Serrado) e sua esposa. 

Em um núcleo tão cheio de caricatura, algo impensável em se tratando de uma versão para um romance de um escritor que primava, justamente, por seu realismo, não é de se espantar que as interpretações mais comprometedoras aparecessem. Ivete Sangalo, por exemplo, não apresentou o menor timing de cena e desperdiçou todas as suas oportunidades levianamente. Ironicamente, seu sotaque baiano foi o mais artificial possível, o mesmo acento fake utilizado pela Rede Globo, que precisa urgentemente descobrir que o Nordeste é múltiplo e plural. Já Marcelo Serrado, que desde a Record atua de maneira extremamente exagerada, preferiu construir um tipo que parece saído de um humorístico de quinta, destes que vão ao ar no sábado à noite, destruindo qualquer traço da essência do astuto e sedutor mulherengo presente no mundo de Jorge Amado. 

Mas a adaptação ganha certo fôlego nas cenas em que Gabriela cede espaço ao aspecto mais real e perpassa, ainda que superficialmente, a conjuntura da sociedade baiana da época. O Coronel Ramiro Bastos, que parece ser, até aqui, a volta de Antonio Fagundes a suas melhores interpretações, foi muito bem-conduzido nestes dois primeiros capítulos. Destaque para a primeira sequência da novela, onde os coronéis da cidade tomam posse, à força, das terras da região. Também chamou a atenção a cena em que Sinhazinha (Maitê Proença), de modo sofrido e contorcido, tem relações sexuais com seu bronco e repugnante marido, Coronel Jesuíno Mendonça, vivido de modo primoroso por José Wilker. Porém, Gabriela também derrapou em sua parte de realidade. Dificilmente a saga inicial da menina brejeira comoveu algum telespectador. A personagem-título mostrou-se, mesmo em situações de extrema adversidade, alheia à qualquer dificuldade, sempre estampando um sorriso no rosto. Característica que mitigou todo o sofrimento e comiseração que aquele início deveria, em tese, causar.

Quanto à direção em geral, não há muito a dizer. Os figurinos, dentro da proposta de Walcyr Carrasco, estão impecáveis, assim como cenários, edição e posicionamento de atores. Um leve excesso do uso de filtro pesou em certas ocasiões, mas nada que comprometesse a bela fotografia da equipe encabeçada por Roberto Talma e Mauro Mendonça Filho. Se as sequências de sexo foram polêmicas em O Astro, em Gabriela, a dupla de diretores parece ter optado por um caminho mais poético e sutil, mesmo nas aparições da sensual Juliana Paes. Sobre Juliana, a propósito, não há muito a dizer, pelo menos por enquanto. Seu desempenho é ainda um enigma. Tem força em certos momentos, mas, em outros, a adolescente brejeira se perde em meio ao comportamento excessivamente lânguido que a atriz imprime em quase todos os seus papeis. Resta esperar.

No frigir dos ovos, há pouco que justifique a atual versão de Gabriela. Pouco original, pouco fiel e pouco interessante. Para o telespectador, contudo, a novela cumpre sua função de entreter. Muita cor, muita sensualidade, muito daquilo do que é tacitamente bem-recebido pelos telespectadores. Não é de se espantar, inclusive, que a adaptação caia no gosto do público. Afinal, ainda que Walcyr Carrasco não seja muito criativo, ele é um gênio das grandes audiências. Um autor eficiente comercialmente e entendiante artisticamente. Ao que parece, Adamo Angel morreu com Walter Avancini.

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