domingo, 16 de setembro de 2012

A Esburacada Avenida Brasil

Há algum tempo, este blog vem insistindo em um ponto que parece assombrar a novela das nove: os furos gigantes no enredo da trama. Entre vaias e aplausos, diversas situações foram citadas, um mar de equívocos contabilizados, sem exceção, desde o início da novela. No entanto, a forma pela qual o folhetim é contado, um verdadeiro leque de efeitos de espetáculo, ajudou a disfarçar a dramaturgia capenga que conduziu a trama até a "virada" do capítulo 100. Eis que agora, alguns meses depois, o conteúdo tacanho parece ter saltado aos olhos dos mais devotos telespectadores. O fio central, responsável por conduzir toda a rede de histórias, mostra-se mais frágil a cada dia que passa. 

Nos últimos capítulos, alguns fatos intrigaram os noveleiros: Por que Nina (Débora Falabella), em plena era tecnológica, preocupa-se tanto com a segurança de fotografias físicas contra Max (Marcello Novaes) e Carminha (Adriana Esteves)? Ela poderia salvar tais fotos em e-mails, sites de carregamento de arquivos ou mesmo em um pen drive. De posse de provas tão cabais, por que ela se sujeitaria a ter sua herança roubada e sua liberdade privada por conta de uma série de armações do casal de vilões? Os dois acontecimentos, em qualquer mundo possível, deveriam ter conduzido a mocinha a revelar a verdadeira personalidade de Carminha ao mundo. Por fim, é assombrosa a falta de empenho de Jorginho (Cauã Reymond) em atestar que é filho de Max com um simples exame de DNA. O autor bem tentou contornar essa hipótese, mas é óbvio que o jogador de futebol tem todo o direito de requerer o teste.  

Em suma, esses furos mais recentes (além das imprecisões que o blog já citou por aqui em outras oportunidades) revelam a fragilidade do argumento principal. A vingança de Nina, desde o início, foi mal-planejada, mal-escrita, mal-executada. Se João Emanuel Carneiro queria, de fato, estender a trama central ao máximo, precisaria, primeiro, ter arquitetado uma sucessão de acontecimentos desde o início. Pelo contrário, mostrou-se perdido, fato que pode ser revelado por um simples exemplo: Para dar o mínimo de verossimilhança ao folhetim, o autor precisava ter colocado provas mais frágeis nas mãos de Nina. Fotos e vídeos, hoje em dia, são provas irrefutáveis. Novela é, sim, uma obra aberta. No entanto, um esqueleto minimamente detalhado precisa se fazer presente na mente de qualquer dramaturgo.

Se o argumento principal ficou condicionado a um enredo raso, desestruturado e fraco, é possível dizer que grande parte dessa odisseia mal-sucedida é derivada da excessiva preocupação de Carneiro com o espetáculo sem conteúdo. Em nome de ganchos falsos e clímax forjados, o escritor apresentou o péssimo costume de atropelar as mais básicas cadeias causais de eventos. Em outras palavras, ele dispensou, em inúmeras vezes, a qualidade do enredo e do roteiro, correndo o risco de cair no engodo da licença ficcional. Nisso, esqueceu-se até mesmo do contexto histórico do que era contado, detalhe que só pareceu ser lembrado na hora de enaltecer o estereótipo vazio e sem-graça da suposta Classe C da Zona Norte carioca.

A propósito, do último parágrafo decorrem dois defeitos grandes na exibição de Avenida Brasil: 1) a preocupação com o excesso de dinamicidade deixou, por incrível que pareça, a novela enfadonha. Quando o ritmo frenético é constante e invariável, a trama fica cansativa e estafante. 2) Os estereótipos de Avenida Brasil são irritantes. A evangélica conversora, o homossexual que prefere moda a futebol, a madame preconceituosa da Zona Sul do Rio de Janeiro. Tudo está lá, em doses diárias de preconceitos disseminados sem ter muito um porquê. 

De positivo, Avenida Brasil deixa a repercussão perante o público, a direção e as interpretações de Adriana Esteves e Débora Falabella. É bom sentir o apelo de um folhetim, ainda que ele tenha, estruturalmente, falhas graves que pouco justificam o seu próprio sucesso. Amora Mautner, por sua vez, consagrou-se como a grande responsável pelas melhores partes da trama. Sua direção esperta, que claramente privilegiou a riqueza dos cacos e das improvisações, entra, de algum modo, para a história. Os mesmos elogios podem ser tecidos em relação aos planos de câmera, à fotografia e à trilha incidental. Em relação às intérpretes de Carminha e Nina, pode-se dizer que foram as grandes responsáveis pelos grandes momentos da novela.

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