sábado, 11 de abril de 2015

Chapa Crítica: Com roteiro matador de Antonio Prata, Os Experientes estreia com o pé direito

Na noite anterior, a Rede Globo havia entregado uma péssima estreia: Chapa Quente, do gabaritado Cláudio Paiva, revelou-se uma comédia sem graça, batida, medíocre, estereotipada e atravessada por uma enfadonha crítica superficial do que seria um quadro sócio-econômico da Classe C. Um desastre absoluto e preconceituoso. No dia seguinte, porém, a emissora carioca se redimiu da melhor forma possível: Os Experientes, projeto com direção de Fernando Meirelles, não deixou margem para nenhuma crítica. Impecável do início ao fim, o primeiro episódio da série causou brilho nos olhos do telespectador. 

Muito do sucesso do primeiro capítulo deve-se ao apuro do roteiro de Antonio Prata. Como o pai, o famoso escritor Mário Prata, Antonio preocupou-se em descrever um retrato cotidiano amplamente significado. Em outras palavras, os acontecimentos relatados no debut de Os Experientes não foram apenas acontecimentos: entre olhares, diálogos e gestos, o roteirista aos poucos sinalizou histórias ocultas, preconceitos sociais, pequenos fundamentos que desvelaram não somente os perfis das personagens centrais, mas de todo o modo pelo qual a trama se desenvolveu. Tudo, assim, justificado, marcado, sublinhado em meio a uma teia muito bem desenhada e siginificada. Como o pai, Antonio também não deixou de lado o humor. Em Os Experientes, entretanto, o humor se revezou de maneira harmônica com um arco dramático não arbitrário. A oscilação entre comédia e tragédia, portanto, aliou-se muito bem à qualidade do cuidadoso roteiro de Prata, sempre ligado a perfis e atos motivados. Não só isso, serviu de base para a já mencionada dinâmica de constante significação e crítica. Debochando da tragédia, Os Experientes apresentou uma perene percepção analítica de determinados absurdos que atravessam a sociedade e a política, ontem e hoje. Um roteiro bem-escrito, crítico e debochado: como uma 'crônica ficcional', Prata fez um roteiro matador.

Aqui, cabe uma nota especial para os protagonistas: Beatriz Segall e João Côrtes. Os dois estavam esplêndidos, não menos que isso. É bem verdade que ambos os personagens eram muito carismáticos, mas seus intérpretes conseguiram com eficiência sublinhar as nuances de um roteiro que, embora muito esperto, exigiu bastante dos atores. A história de Prata cobrou transformações rápidas: do banal ao ápice, do esdrúxulo ao dramático. Também é bem verdade que não se esperava menos de Beatriz Segall, de longe um dos maiores nomes da teledramaturgia brasileira. Sua Iolanda foi simplesmente fantástica. Beatriz, melhor do que ninguém, soube dar vida a uma personagem que precisava, ao mesmo tempo, transparecer a dor e o desdém pelo futuro. Divina. Já João Côrtes, conhecido como garoto-propaganda de uma empresa de telefonia, demonstrou que é mais que um bom vendedor de planos para celular. Segurou bem um personagem difícil e até certo ponto diferente do que está acostumado a interpretar. O embate entre os dois foi, assim, fantástico.

Fernando Meirelles, como de costume, fez um trabalho indefectível. Cenografia taciturna, decadente, algo bem próximo de um ambiente condizente com a pinta de crônica que perpetuou a série. Do mesmo modo, a fotografia esteve bem medida, calculada de modo a valorizar o cenário e a adaptar-se ao modus operandi da televisão. A trilha sonora também emocionou. Utilizando todo o talento de Segall, Meirelles encerrou o capítulo com a ótima "Vapor Barato", um hino entoado por Gal Costa. Emocionante.

Se depender da excelente primeira impressão causada, Os Experientes tem tudo para se transformar na série do ano. O encerramento, aliás, coroou a boa aliança entre roteiro, atores e direção. João Cortês e Beatriz Segall em uma cena tensa, um confronto impactante que terminou em um ótimo plot twist. Plot twist, aliás, justificado, fundamentado, como todo o resto da história. Iolanda, ainda, deparou-se com todo um cenário de falência de instituições: da imprensa sensacionalista à polícia desumana e burocratizada. Para terminar, o esfacelamento gradual da imagem chorosa de Iolanda, a personagem que, mais do que uma "velha", era uma vida cheia de dor e desdém. Nem chapa branca, nem chapa quente: a chapa de Os Experientes é crítica. E é fantástica.

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