domingo, 7 de dezembro de 2014

Recorrer ao absurdo nem sempre é sinal de inteligência

Em novelas de propostas lúdicas, acontecimentos estranhos se naturalizam. É o caso, por exemplo, de toda a cultura de realismo fantástico que permeou boa parte das obras de Dias Gomes, Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares. Licenças poéticas também se mostram um ótimo recurso em novelas que pendem para o gênero da fantasia, mesmo quando o folhetim cai nessa lógica meio que por acidente, caso de "O Clone", obra mais emblemática da novelista Glória Perez.

 Mas em novelas contemporâneas no sentido mais estrito, como é o exemplo de Império, o recurso ao absurdo pode comprometer uma narrativa de matriz realista. É o que vem acontecendo com a novela nos últimos tempos: cadeias causais truncadas, personagens que mudam de personalidade (e até de orientação sexual) do dia para a noite, tipos que surgem na história sem muita razão aparente, tramas cada vez mais patéticas e desconectadas com o senso de razoabilidade. A substituição de Drica Moraes por Marjorie Estiano no papel de Cora apenas coroou a tendência que o autor vem imprimindo ao folhetim: de repente, Cora faz uma plástica e volta 20 anos mais jovem. É a radicalização do recurso ao absurdo, um instrumento muito típico das novelas de Dias Gomes. Parece que Aguinaldo Silva, à parte do seu malogrado esforço por se dedicar a tramas ambientadas no século XXI, não consegue se desgarrar de fato da lógica que o consagrou no rol de grandes autores: discípulo de Dias Gomes, foi na esteira do realismo mágico que Aguinaldo se consolidou. Em novelas como Império, em contrapartida, o recurso ao absurdo soa tão-somente como sinal de esquizofrenia. No caso em tela, o problema é maior: Cora voltou na cena mais errada possível. Foi introduzida de modo abrupto, sem nada que deixasse claro o motivo do rejuvenescimento. Não colou.

O desligamento de Drica pode ser comparado de forma oportuna com o problema pelo qual Ruy Vilhena, autor de Boogie Oogie, passou quando Giulia Gam, também a principal antagonista da novela, foi afastada do folhetim por indisciplina. Ruy, um autor mais contemporâneo e mais conectado com a forma atual de desenvolver roteiros, usou o contratempo a seu favor. Deu um sumiço em Carlota, personagem de Giulia, e fez disso o grande argumento dos acontecimentos que se seguiram. A novela se tornou mais dinâmica e ainda mais recheada de espertas reviravoltas. A entrada de Joanna Fomm como uma espécie de substituta de Giulia também deu muito certo. Tia Odete, papel de Joanna, movimentou a trama de maneira muito acertada. Não é por acaso que Ruy Vilhena vem sendo muito elogiado com o desenvolvimento de Boogie Oogie.

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