sábado, 20 de outubro de 2012

Avenida Brasil: um novelão meio manco

Avenida Brasil teve o mérito de parar o país. Com 51 pontos de audiência, a novela escrita por João Emanuel Carneiro consagrou-se como o maior sucesso da televisão desde Caminho das Índias. Os motivos pra isso, é claro, não são fortuitos e podem ser listados com segurança. Primeiramente, cabe elogiar a direção, responsável por toda a identidade do folhetim. Com pinta cinematográfica, Avenida Brasil revolucionou, sim, mas muito mais na forma do que no conteúdo. Os diálogos baseados no improviso (ideia da talentosa diretora Amora Mautner), a trilha incidental arrasadora e os efeitos finais de congelamento foram só alguns elementos que coroaram esse grande sucesso.

O elenco, certamente, também foi brilhante. Vera Holtz e José de Abreu fizeram uma dupla inesquecível, interpretações impecáveis e sustentadas por composições ainda mais geniais. Débora Falabella apenas confirmou a sua condição de uma das melhores atrizes de sua geração. Conseguiu, perfeitamente, demonstrar todo turbilhão emocional de sua Nina. Murilo Benício também deu show. O ator, muitas vezes por um esperto jogo de sobriedade e efusividade, conseguiu construir um Tufão extremamente carismático e levemente recalcado, um tipo bastante brasileiro. Constituiu, em outras palavras, um personagem encantador. Marcello Novaes, por sua vez, espantou toda e qualquer desconfiança a respeito de sua capacidade. Arrebentou. Os coadjuvantes, aliás, também tiveram a sua vez: Dos mais veteranos, como Marcos Caruso e Débora Bloch, aos novatos Juliano Cazarré e Cacau Protásio.

No entanto, o grande nome da novela das nove foi, sem dúvida, Adriana Esteves. Com uma interpretação visceral, em um papel que, em que pese ter sido apenas a segunda opção do autor, parece ter sido escrito para ela. Esteves, conhecida por atuações mais intensas, emocionou e convenceu na pela da diabólica Carminha. Entrou pra história e já é, provavelmente, a melhor atriz do ano.

Por fim, o texto de João Emanuel teve seus momentos de grandiosidade. Em uma cena, Santiago (Juca de Oliveira), a la Raskolnikov, personagem emblemático criado pelo escritor russo Dostoiévski, adota um discurso de uma suposta superioridade pertencente àqueles que estão acima da moral. Além dessa, outras referências da novela foram muito felizes: Kill Bill, Flaubert, Little Miss Sunshine, Eça de Queirós, entre outras, fizeram com que Avenida Brasil tivesse seus ricos instantes de intertextualidade.

Outro ponto forte do texto do autor: a subversão dos valores familiares. Assim como o nosso Código Civil, João Emanuel acertou em retratar o amor entre filhos adotivos e seus pais, demonstrar novas formas de relações afetivas (como a trama de Cadinho e suas esposas ou o casamento do trio Roni/Leandro e Suellen). Por outro lado, porém, pecou por estereótipos excessivos entre os coadjuvantes que contrastaram,  significativamente, com a riqueza de nuances de Carminha (Adriana Esteves), antagonista da novela. A vilã do folhetim, diga-se de passagem, foi bem-escrita e bem-desenvolvida, ao contrário de muitos personagens que se perderam na fraqueza do enredo tecido pelo autor.

Sendo assim, se o texto de João Emanuel foi, em muito momentos, um ponto forte, pode-se dizer que, da mesma dramaturgia do autor, pulularam diversos pontos fracos. Carneiro, sem dúvida, demonstrou deficiências de roteiro que comprometeram a lógica estrutural de sua trama. O famigerado (e inexistente) pen drive de Nina (Débora Falabella) é só um exemplo. A conversão repentina de Suellen (Isis Valverde) em boliviana traficada é outro. Pontos que revelam, cada um à sua maneira, uma falta de planejamento do autor quanto à trama: uma preocupação excessiva em forjar clímax e ganchos sem sentido, comprometendo e atropelando a lógica de acontecimentos da trama. O último capítulo, fraquíssimo, por sinal, também teve os seus buracos: Adauto (Juliano Cazarré), teoricamente analfabeto, estudou em um colégio interno. Personagens como Betânia (Bianca Comparato), Lúcio (Emiliano D'ávila) e Begônia (Carol Abras) simplesmente desapareceram. Falta à João Emanuel um reforço nesse sentido.

A propósito, o último capítulo foi um dos piores dos últimos anos, em contraste com a sua audiência arrasadora. À exceção de Carminha e Nina, que protagonizaram uma emocionante cena final, o resto do episódio foi completamente dispensável. A sequência em que Adauto (Juliano Cazarré) revela o seu vício por "chupeta" foi extremamente constrangedora. Da cena, nada se aproveita: nem como relevância, nem como metáfora. Um horror. Ninguém soube muito bem o que houve com diversas tramas importantes do folhetim, entre elas, a do o trio Roni (Daniel Rocha), Suellen (Isis Valverde) e Leandro (Tiago Martins): uma solução, a meu ver, elogiosa, porém, pouco explorada, já que a elo entre os dois homens do "trisal" foi, sem dúvida, negligenciada.

Enfim, Avenida Brasil, sem dúvida, marcou uma época. Pode-se dizer que, no frigir dos ovos, a novela de João Emanuel Carneiro, assim como Barriga de Aluguel e sua "barriga" de tantos meses, ou como Terra Nostra e o seu roteiro, por vezes, enfadonho, entrou pra história como um novelão meio manco. Se inovou em direção, diálogos e elenco, pecou bastante em sua dramaturgia de enredo, extremamente mal-amarrada, mal-elaborada, mal-desenvolvida, atropelando, muitas vezes, a lógica mais simples de um roteiro. Também teve suas dubiedades morais: subverteu relações em alguns aspectos (um ganho em relação à moralista A Favorita), mas consagrou preconceitos bobos, rasos e anacrônicos em outros. Sem dúvida, uma novela que não pode ser submetida a uma avaliação fácil

AVALIAÇÃO: BOA 



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