quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Jogo Rápido: Doce de Mãe é produto de altíssima qualidade

Fernanda Montenegro, indubitavelmente a maior atriz do país, lidera uma produção que enche os olhos de qualquer amante razoável de teledramaturgia. Doce de Mãe, produção da Casa de Cinema de Porto Alegre em parceria com a Rede Globo, só tem aspectos extremamente positivos: de um texto vivo e questionador a um elenco afiado e muito bem escalado. Fernanda Montenegro, a propósito, nos presenteia com uma das suas melhores composições. Dona Picucha é esperta, habilidosa, cheia de entrelinhas. E ninguém melhor que a nossa artista mais sensível nesse sentido para interpretá-la. Fernanda é uma atriz que transcende o mero aspecto textual: passeia pelo subtexto de uma maneira incrivelmente fácil. Marco Ricca, Mateus Nachtergaele, Mariana Lima, Louise Cardoso, Drica Moraes e Daniel de Oliveira completam a excepcional escalação do seriado. Todos, sem nenhuma exceção, excelentes. Desconhecidos do grande público, nomes como Áurea Baptista, Bárbara Borgga e Evandro Soldatelli completam o leque de atuações incontestáveis.

O aspecto técnico (direção e criação) é comandado pelo renomado Jorge Furtado, de A Ilha das Flores, em conjunto com Ana Luiza Azevedo. Neste campo, Doce de Mãe rende mais elogios: a direção é acertadíssima, a trilha sonora é deliciosa e a produção de arte é encantadora. Mas é seu texto que chama mais a atenção: contesta estereótipos recorrentemente, suscita questões inteligentes, lida de forma leve com a nova configuração da sociedade contemporânea. Com um humor que jamais tende para o grotesco, a produção brinca com a inserção da terceira idade em questões bastante atuais: engajamento em manifestações, mídias sociais, etc. Seus diálogos são espertos, ágeis, carregados de ótimas sacadas. As situações que os circundam não ficam atrás. Como não rir de Picucha esquecendo sua neta na loja de fantasias? Em meio a esse contexto, Furtado coloca de modo sutil questões relevantes em todos os planos. Dois exemplos do capítulo do dia 27 de fevereiro: no primeiro, Fernando, o filho mais novo de Picucha, tem um interessante diálogo com o marido a respeito da falta de sentido em estabelecer um banheiro para cada sexo em seu bar. "Por que banheiros não podem ser unissex?", resume o personagem. No segundo, Furtado discute a força do grafite como transformador de uma cidade cada vez mais poluída visualmente. Assim, Picucha incentiva seu neto a grafitar o outdoor de gosto duvidoso que há dias destrói a vista de seu apartamento. 

Seja como for, Doce de Mãe é uma série a ser saboreada com vontade. Raramente se vê uma produção em TV aberta com tantas nuances a serem apreendidas. Interpretações e texto transitam em um subtexto incrustado nos diálogos mais banais. Algumas coisas não são meramente dadas, precisam ser desvendadas, descobertas, refletidas. E Doce de Mãe, vale dizer, oferece essa oportunidade com um humor tão suave que faz com que essa relação aconteça de modo muito natural.


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