terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Em Família e um retorno à qualidade de enredo

Manoel Carlos nunca esteve tão em forma. Depois de duas mal-sucedidas incursões por uma espécie de radicalização de seu estilo (em Páginas da Vida e Viver a Vida), Maneco voltou a ter mais apreço pela força de seu argumento. Se suas duas novelas anteriores pecavam pela falta de um eixo central e pela fraqueza das protagonistas, o mesmo não se pode dizer de Em Família. A sinopse é ótima, promissora e, a exemplo dos mais célebres textos de Sófocles, trágica. A Helena de Bruna Marquezine, por sua vez, é a mais carismática desde aquela eternizada por Vera Fischer em Laços de Família. É decidida, temperamental, abusada, mas transborda um senso de humanidade que causa imediata empatia em relação ao público. A interpretação da atriz, vale dizer, também é bastante habilidosa. Prova de que Bruna já é, desde agora, muito talentosa. E embora não se possa dizer o mesmo de Guilherme Leicam, Jayme Monjardim sabe utilizar com engenhosidade a beleza de tirar o fôlego que transborda dos lindos olhos azuis do rapaz. Sem dúvida, Jayme é mestre na direção de atores: como ninguém, consegue tirar de seus dirigidos o máximo, seja com closes muito bem-planejados ou com orientações efetivas nas marcações de cena. A direção, a propósito, faz jus aos anos de experiência de Monjardim. Impecável. 

Mas o que mais chama a atenção é o texto. Há algum tempo, as novelas do horário nobre vêm sofrendo com dramaturgias de pouca qualidade. Desde os furos gigantescos de enredo de Avenida Brasil aos diálogos demasiadamente didáticos de Amor à Vida, o elemento textual das novelas das nove não estavam correspondendo à nobreza que por óbvio se espera do horário. Manoel Carlos, entretanto, parece colocar a confecção de seus diálogos em primeiro plano. Ao menos nessa primeira fase, percebe-se um cuidado com o texto que se reflete em uma extrema coerência do roteiro e na presença de um esperto subtexto que raramente se vê na televisão brasileira: nada acontece de forma atropelada, a cadeia causal dos fatos é muito bem-delineada e muitas coisas são habilmente pressupostas nas entrelinhas. Mais do que isso, o tratamento cuidadoso à sua dramaturgia é completamente condizente com o retrato do cotidiano ao qual Manoel Carlos se propõe. Outro mérito textual importante: a riqueza dos personagens. Os tipos de Maneco são densos, complexos, fascinantes. Algo longe dos movimentos abruptos percebidos em novelas anteriores. O colérico Laerte e a provocativa Helena comandam uma gama de personagens altamente promissora.

No mais, tenho apenas uma crítica: apesar da patente qualidade da novela, fiquei um pouco espantada com a liberdade moral que circunda a família de Chica. Considerando que o folhetim se passa na década de 90, seria muito difícil que uma família de Goiânia, uma cidade afastada dos dois centros cosmopolitas do país, tratasse com naturalidade temas como aborto e sexo na adolescência. Ainda mais se pensarmos que nenhum dos membros da família parece ligado a instâncias mais liberais do cotidiano, seja um patriarca acadêmico ou uma influência artística. Seja como for, esta é uma crítica, é claro, frágil diante do amplo espectro ficcional das contingências sociais. O que importa, por ora, é que Em Família teve uma estreia bastante positiva.


Aplausos em especial: Bruna Marquezine, Giovanna Rispoli, Gabriela Carneiro da Cunha.

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