quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Sobre a importância do beijo gay

Amor à Vida padeceu de certos problemas de autoria, já sabemos. No entanto, é fato também que Walcyr Carrasco levou a questão homoafetiva às últimas consequências. Talvez tenha sido o maior avanço em relação ao tema desde Insensato Coração, novela da dupla Braga e Linhares. Mérito, é claro, de Carrasco, que em meio a um mar de devaneios, soube levar a história de Félix e Niko com sabedoria ímpar. Se Insensato Coração assumiu um tom político, Amor à Vida se esforçou, com louvor, em inserir a homossexualidade em questões familiares. O pai preconceituoso, o casal gay que deseja ter filhos, assuntos que, no fim das contas, tornaram-se protagonistas da trama. Assim, ainda que a novela tenha carregado sérios percalços de dramaturgia, pode-se dizer que Amor à Vida marcou o horário por sua ousadia em um assunto que a Rede Globo insiste em tratar com certo véu. Se na péssima Fina Estampa o caricato e tacanho Crô funcionava como mico de circo, na novela de Walcyr os personagens gays tinham histórias mais complexas e, até por isso, conquistaram o público de maneira nunca antes vista. 

Interessante, dessa forma, que um folhetim que abarcou tantos dilemas tenha estourado justamente na esteira de um tema tratado de modo velado. Prova de que o público se interessa e está disposto a aceitar a dinâmica das novas famílias. Cabe à Globo, com isso, mostrar algo que, embora não tenha nada de muito diferente, ainda é uma incógnita para a maioria dos telespectadores: o afeto entre pessoas do mesmo sexo. E o beijo gay, como manifestação de afeto típica de qualquer casal, é um emblema fundamental. É mais do que um beijo, é um ato capaz de revolucionar o modo pelo qual o brasileiro enxerga um assunto tão delicado. Trata-se da desmistificação de algo considerado marginal: o beijo gay, agora, não é um beijo qualquer, como insinuou Antonio Fagundes em uma entrevista pra lá de equivocada. Mas se dado em rede nacional, tornar-se-á, inevitavelmente, como qualquer outro. E, neste sentido, cumprirá o seu papel fulcral: um passo, ainda que modesto, em direção à superação do preconceito popular que ronda não só as manifestações homoafetivas, mas a própria relação entre pessoas do mesmo sexo. Esperemos.

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