domingo, 22 de dezembro de 2013

Amor à Vida: Maçãs Saudáveis em Cesto Podre

Amor à Vida é certamente uma novela de qualidade bastante baixa. Não só pelo conteúdo textual fornecido por Walcyr Carrasco, autor já conhecido pelo seus excessos de clichês e pelo texto que beira o teatrinho de colégio, mas também pela inflação de temas que perpetuam a trama da novela das 9: uma saturação de assuntos polêmicos que compromete o desenvolvimento do folhetim. Isso sem contar com a fraqueza dos protagonistas, as situações pouco críveis elaboradas por Walcyr, personagens que mudam de personalidade abrupta e injustificadamente, a recorrência irritante e preconceituosa a estereótipos sociais (a gordinha virgem, o evangélico certinho, etc.), entre outros problemas graves que permeiam a produção desde o seu início.

No entanto, certos avanços devem ser expostos, por uma questão de justiça. Além da ótima direção (apesar de algumas derrapadas), uma inovação positiva é vista em Amor à Vida: o progressismo moral. O casal Patrícia e Michel, embora enfadonho e pouco complexo do ponto de vista cênico, traz à tona um vocabulário aberto e sem muitos pudores. Em uma época em que o sexo é visto, quase sempre, com extrema censura, é importante que haja personagens que ao menos tentem dar à teledramaturgia brasileira um grau de liberdade que a televisão estrangeira, por exemplo, já conhece há muito tempo. A partir disso, é possível mostrar a vida sexual (algo que, como trabalhar ou respirar, faz parte da existência humana) com muito mais serenidade.

O progressismo moral também está presente nas relações homoafetivas que se desenvolveram na novela. Niko, personagem de Thiago Fragoso, curiosamente se transformou em uma espécie de protagonista pelo qual todos torcem (Niko tem mais força e centralidade neste momento que a mocinha da história, Paloma). Um final feliz entre Niko e Félix é o mais desejado pelo grande público, prova de que a homossexualidade, aqui, é vista pelo telespectador já com bastante naturalidade. Eron, o gay que virou hétero na metade do folhetim, é, em contrapartida, odiado e rejeitado pela maioria. Acertadamente, Walcyr desenhou uma história bastante perspicaz, em que valores como fidelidade e amor à família mostram-se muito mais importantes do que a configuração de um relacionamento. Neste sentido, não importa se Niko é gay ou hétero, mas quais são, em última instância, os seus valores. Niko é um homem amoroso, fiel e com um forte instinto familiar. Ao ser trocado por uma mulher, o sofrimento de Niko ganhou a empatia popular. Excelente estratégia.

Márcia, personagem de Elizabeth Savalla, é outra que entra nessa lógica. Ex-chacrete com orgulho, a personagem assume sem muito pudor um passado que passa longe de um moralismo conservador. Sincera e com um coração enorme, a vendedora de hot dog diverte e não se apega a um recato desagradável. Mais uma vez, os valores realmente importantes (senso de justiça, solidariedade, etc.) se sobrepõem a certos paradigmas hipócritas. Ademais, as dobradinhas de Savalla com Tatá Werneck, Luís Mello e Mateus Solano foram acertos notáveis.

Assim, ainda que Amor à Vida esteja longe de ser considerada uma boa novela, é preciso reconhecer os seus acertos, mesmo que eles se diluam diante de tantos absurdos que perpassam o folhetim. A nós, cabe torcer por uma reta final minimamente melhor do que Walcyr fez até aqui. Enfoques nos núcleos de Márcia/Valdirene/Palhaço e Félix/Niko/Eron/Amarylis seriam bem-vindos. Em um mar bravio e desordenado, tais histórias parecem desenhar arrebentações mais promissoras.

Um comentário:

  1. Não acompanho a novela, mas sua crítica pareceu-me muito bem estruturada, além de bem escrita. Parabéns!
    GK

    ResponderExcluir