sexta-feira, 20 de abril de 2012

Um mês de Avenida Brasil: crítica e balanço

Por: Isabelle Bertolucci

Avenida Brasil estreou como uma tarefa difícil: restaurar a qualidade perdida com a péssima e caricata Fina Estampa, sem abrir mão, contudo, da crescente audiência conquistada pelo show de horrores promovido pelo folhetim anterior. Até aqui, pelo menos, pode-se dizer que conseguiu. A trama de João Emanuel Carneiro estreou em ritmo alucinante. Com um conteúdo consistente e bem-desenvolvido, a trama principal encanta e causa as mais diferentes emoções nos telespectadores. As tramas pararelelas, no mesmo sentido, parecem ter crescido nas últimas semanas.

Primeiramente, a respeito das escalações, a grande maioria dos atores parece bastante afinada. Débora Falabella, aliás, parece ter sido escolhida a dedo para o papel. Poucas atrizes de sua geração teriam tamanha habilidade para defender uma personagem de tanta complexidade. Ela consegue demonstrar com uma espantosa naturalidade a perfeita oscilação entre frieza, incômodo e intensidade emocional. Coisa de olhar. Sem dúvida, Falabella é a atriz com mais recursos dramáticos de sua geração. Adriana Esteves também já disse a que veio. Embora tenha, em sua composição, tiques que remetem a personagens anteriores, a atriz vem defendendo com maestria a grande vilã da história. Com a maturidade conquistada ao longo de anos de carreira na televisão, Adriana consegue passar veracidade à sua Carminha, atingindo um tom histriônico bastante crível. Murilo Benício, entretanto, está apagadíssimo e em uma interpretação até aqui pouco memorável. Apesar de seu talento já comprovado em atuações como Victor Valentim e Juca Cipó, o ator parece ter caído em uma composição bastante porca, constatação que não condiz com uma trajetória de personagens construídos de forma brilhante. Falta vento ao Tufão. Outra que se mantém apagadíssima é Nathália Dill. Pouco versátil em seus papeis, a atriz já mostra que precisa superar certas limitações técnicas, como a dicção às vezes excessivamente apressada e a sensação de uma falta constante em seu desempenho em cena. Cauã Reymond, que sempre foi mais corpo do que ator, não compromete e, pelo contrário, chega a cativar com o seu Jorginho. Alexandre Borges e Camila Morgado repetem suas atuações anteriores e, como não poderia deixar de ser, estão extremamente cansativos e pouco funcionais. A própria trama é batidíssima. Enésima novela em que um polígamo se vira para não ser descoberto. As outras duas mulheres, vividas pelas ótimas Carolina Ferraz e Debora Bloch, acabam abarcadas por essa comédia extremamente sem graça. O grande destaque entre as tramas paralelas fica mesmo com a impagável Suellen, defendida pela carismática Isis Valverde. A personagem subverte o papel da mulher em tempos tão machistas, causando um misto de desconforto e diversão aos mais conservadores. E a coisa parece esquentar ainda mais ao passo que seu destino se entrecruza às tensões que envolvem Roniquito (Daniel Rocha) e Leandro (Thiago Martins). Ponto para Carneiro, que desenvolveu no triângulo uma ótima trama paralela (que, convenhamos, não é bem o forte do autor). Mas não posso deixar de mencionar os excepcionais desempenhos de José de Abreu e Vera Holtz. Veteranos excelentes e magistrais.

Sobre a direção, poucos erros a apontar. A fotografia é primorosa e a trilha incidental é sensacional (como é tradição em novelas dirgidas pela dupla Amora Mautner/Ricardo Waddington). O lixão cinematográfico é perfeito, mesclando o lúdico que envolve o universo de Oliver Twist e a realidade triste que cerca a rotina dos aterros sanitários do país. A abertura, entretanto, é completamente descontextualizada. Embora embalada por uma música forte e extremamente popular, a vinheta não empolga esteticamente e não tem a menor relação com qualquer trama desenvolvida na novela. A trilha sonora, assim como a proposta principal do folhetim, é popular. Tem pontos positivos, como o excelente tema de Suellen, cantado pelo grupo que, anos antes em Caminho das Índias, consagrou-se como um ícone brega, os Aviões do Forró. Outro destaque é a canção que embala Nina e Jorginho, composta por um dos maiores nomes da MPB, Marisa Monte. O figurino também é acertado, assim como a cenografia. Tudo é fake e demonstra os excessos comuns às camadas populares.

Por fim, a dramaturgia de João Emanuel Carneiro mostra amadurecimento. Ele consegue manter o telespectador preso à tela da TV. Ganchos espetaculares e cenas de tirar o fôlego são inseridas em um folhetim extremamente bem-executado. Isso pode ser demonstrado por alguns pontos da trama principal: a introdução da novela foi muito bem-arquitetada e sem furos. Rita já mostrava sua determinação desde criança, justificando assim o caráter contestador que torna verossímil a busca por vingança da justiceira Nina. O desenvolvimento está sendo igualmente perfeito. Nina oscila entre o comportamento contido exigido na convivência com sua algoz e a intensidade que já demonstrava quando criança. Carminha, por sua vez, tem uma cadeia causal clara como água, o que faz com que a vilã tenha uma personalidade extremamente justificada por sintomas derivados de uma infância difícil, algo já percebido no início da novela. Uma personalidade que assusta em seus momentos mais explícitos de sadismo e violência, simultaneamente a uma parte completamente escondida do público, fatos do passado que podem causar uma reviravolta surpreendente no folhetim. Enfim, tudo parece obedecer a uma lógica parcialmente oculta, mas muito bem planejada.


Passione tinha uma ótima sinopse, e um texto extremamente conservador e moralista, fato que deixou a novela pesada demais para conquistar o público. Insensato Coração tinha diálogos excelentes e extremamente vanguardistas, mas não se sustentava pela falta de argumento. Fina Estampa foi uma caricatura de novela, folhetim que oscilava entre o vulgar, o dantesco e o infantil. Torçamos para que Avenida Brasil tenha vindo para levantar o horário. E não só em audiência, que isso não é só o que importa.

Avaliação do Primeiro Mês: ÓTIMA

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